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Filhos do Tédio


tedio1.jpgO documentário “Filhos do Tédio” é a biografia possível da banda mais mítica de Coimbra, os Tédio Boys. É também o retrato de uma cidade numa época que eles ajudaram a moldar.

Agindo sempre contra a corrente, os Tédio Boys foram a face visível de uma atitude que implicava desde tocarem na rua em concertos improvisados e interrompidos pela polícia, a actuarem nus no palco principal da Queima das Fitas. A mesma atitude que os levou em três tournées pelos Estados Unidos, e a serem convidados para tocar com os Ramones.

Rita Alcaire abordou na sua tese a influência dos Tédio Boys nesta época,e co-realizou com Rodrigo Fernandes este documentário. Numa breve conversa, ela explicou-nos como surgiu a ideia e o porquê deste filme,o primeiro para ambos os realizadores.

 

[PLAY]


Como é que surgiu a ideia para este documentário?

Tanto o livro como o filme surgiram num conjunto de circunstâncias muito específico. O livro surgiu porque estava farta de ouvir falar de Coimbra/Universidade, Coimbra/estudantes, Coimbra/Cidade Museu – devia estar num museu realmente – e então resolvi questionar a identidade estereotipada de Coimbra através de pessoas que faziam coisas muito diferentes do que ser estudante e fazer parte desse mundo,e quem melhor do que os Tédio Boys para fazer isso? Como depois o Rodrigo foi estudar cinema para Londres surgiu a hipótese de transformarmos uma análise social que eu fiz – transformarmos não, porque o filme não é uma transformação do livro, enquanto que o livro é uma análise, o filme é uma biografia dos Tédio. O filme surge também para colmatar uma falha porque não havia nada feito sobre o assunto, não há nenhum testemunho dessa época que foi tão marcante em Coimbra.

Que tipo de apoios é que tiveram para fazer este filme?

O filme foi produzido, realizado, tudo foi feito por mim e pelo Rodrigo, não houve qualquer tipo de apoio.

queima.jpgE que percurso tem tido?

Têm surgido convites para mostrar o filme sempre em locais pequenos, Estivemos também no Indie Lisboa, mas tirando isso somos sempre convidados para locais pequenos, e aceitamos de bom grado. Estivemos em Arcos de Valdevez, na Fnac em Coimbra, estamos agora no Tubo d’Ensaio na Figueira da Foz.

O vosso documentário não foi seleccionado pelos Caminhos do Cinema Português(CCP) em Coimbra?

Nós concorremos dois anos consecutivos ao CCP, com duas montagens diferentes,é um festival de Coimbra, mas das duas vezes não fomos seleccionados. Queres tirar daí alguma ilação?

Os Tédio Boys eram uma tribo à parte no meio juvenil de Coimbra.O Paulo Furtado disse há pouco tempo numa entrevista que “a vida em Coimbra não era fácil para quem não tinha um visual tradicional”.Em que é que os Tédio Boys eram diferentes do resto?

Basta olhar para eles.Quando digo “olhar para eles” não é olhar para o aspecto deles, mas que basta olhar para o que eles faziam. Faziam tudo pelos próprios meios, conseguiram ir aos Estados Unidos, conseguiram criar fãs em todo o país, quando não havia hipótese de fazer eles arranjavam uma maneira de o fazer. É olhar para a atitude deles, não é olhar para a roupa.

Eles fizeram coisas que mais nenhuma banda portuguesa fez…

Ainda hoje.

…porque é que não lhes é dada a devida importância?

Eu não gosto daquelas frases de que “eram à frente do seu tempo”, mas a verdade é que eles não se encaixam em nada. Ouves os discos hoje são muito actuais, tu vês as actuações deles…mesmo agora na sala as pessoas estavam com risos e com exclamações, porque realmente são actuações muito fortes. Eu não sei, mas eles não se conseguem encaixar, não sei porque é que as pessoas não os aceitam.

bw.jpgTu disseste que eles fizeram parte de uma época em Coimbra. Como era na altura dos Tédio?

O circuito alternativo nessa altura era bastante vivo, havia muitos espaços, havia bandas, havia sempre alguma coisa a acontecer: no Clube de Celas, na Cave das Químicas, espaços que não eram para este tipo de circuito. A Cave das Químicas, se fosse alugada por um estudante podia ser usada, portanto havia sempre alguém com cartão de estudante que alugava e depois faziam-se concertos com os dos Tédio e d outras bandas de Coimbra e não só; O Clube de Celas era um clube recreativo de um bairro, não sei como é que eles alugavam aquele espaço mas também o conseguiam. Era uma altura muito viva, uma altura em que as pessoas traziam discos de Londres, fanzines, traziam uma série de coisas, que trocavam e queriam saber mais, queriam conhecer mais. Não é como hoje em que vais à Internet e sacas uma coisa, ou tens uma banda e pões no MySpace e toda a gente ouve. Ali não, havia muita troca, muita partilha, e por isso é que era uma época tão marcante…

drive.jpgE como é que tu viveste essa altura?

Eu tinha 15 anos quando saiu o primeiro disco dos Tédio, eu era muito jovem, mas vivi isso de uma maneira muito intensa. Eu mais talvez a música e os concertos, o Rodrigo mais os espaços da cidade, o States e outros locais. Mas, obviamente quando se tem 15 anos e quando se tem uma coisa como esta…é muito intenso.

Tu que vives em Coimbra desde sempre…

…eu sobrevivo em Coimbra (risos)…

…achas que existe uma Coimbra “antes dos Tédio Boys/depois dos Tédio Boys”, e de que maneira agora a cidade está diferente?

Eles marcaram muito a cidade, introduziram muitas mudanças e há muitas bandas hoje – não só aquelas que sairam dos Tédio, mas muitas outras – que são influenciadas por eles, e que os referem mesmo como um exemplo a seguir. Mas eu acho que Coimbra está pior do que antes, sem dúvida nenhuma. Se antes havia um circuito alternativo que se mexia, agora não vejo alternativa a nada.

Porque é que 3 dos Tédio Boys são entrevistados num corredor da Penitenciária de Coimbra?

É uma metáfora, porque os Tédio Boys falaram muitas vezes na ideia de que Coimbra aprisionava, não deixava fazer o que eles queriam, não deixava ter liberdade. Era uma ala desactivada da Penitenciária de Coimbra, que foi usada para as entrevistas com eles, exactamente por causa disso, para dar a ideia de que eles estavam presos e queriam soltar-se.

vit.jpgNo filme, o Tony Fortuna diz que quando voltou dos Estados Unidos já não se sentia em casa. Será que Coimbra é mesmo uma prisão? Porque é que sendo uma cidade universitária não há um ambiente mais criativo,onde o potencial das pessoas pode ser melhor aproveitado?

Sendo uma nativa conimbricense e vivendo lá desde que nasci, o que eu sinto mesmo é que a cidade não te dá o retorno das coisas que fazes. Nós já estivemos com o filme em vários sítios, e noutras cidades as pessoas parece que querem saber mais, que se interessam, dão-te o teu espaço, e em Coimbra não.O público mais difícil é o de Coimbra. As pessoas de Coimbra sentem que quando fazem qualquer coisa ninguém olha.

Quais são os vossos planos a seguir para este filme?

Continuar a fazer o circuito de festivais, dependendo obviamente das selecções feitas pelos júris, continuar a mostrá-lo e até ao fim do ano editá-lo em DVD.


____________________________________________________________

Do livro do filme

capa-filhos-do-tedio.jpgO livro Filhos do Tédio é uma adaptação da tese de licenciatura de Rita Alcaire em Antropologia, na Univ. de Coimbra, e é a génese do documentário realizado pela própria autora e por Rodrigo Fernandes. Abordando uma faixa social de Coimbra nos anos 90, ela parte das acções dos elementos dos Tédio Boys e do movimento em sua volta, como elemento dissonante numa sociedade estereotipada e estática. Todos eles eram muito diferentes entre si, mas resultaram numa espécie de celebração conjunta de individualismo. Neste estudo demonstra-se a influência exercida por um grupo de pessoas que não faziam parte das faixas sociais dominantes, a sua dinâmica num movimento contracorrente ao ambiente que se vivia na altura, e analisa questões ligadas ao corpo, à performance, à música, à cidade e excentri-cidade. É um elogio à irreverência e à vontade de fazer algo diferente e fora dos padrões pré-estabelecidos, é o retrato de um outro lado de Coimbra.

Para adquirir este livro ou fazer uma pré encomenda do DVD, entrem em contacto com a autora através do seu email. Visitem também o site em www.filhosdotedio.com.


5 Respostas to “Filhos do Tédio”


  1. 1 Nuno
    27 de Abril de 2009 às 7:54 pm

    Ainda nao vi este documentario. Esta nas lojas?

  2. 3 bruno
    17 de Agosto de 2009 às 8:57 pm

    Dizer que os tédio estavam à frente do seu tempo só em tom irónico. Ao contrário do que diz a autora deste documentário, os tédio são só mais um produto dessa tendência de Coimbra de olhar para o passado, não fazer nada de novo, limitar-se a seguir modelos, sejam portugueses ou estrangeiros. Hoje em dia com as bandas que resultaram dos tédio continua o mesmo tédio de sempre: tocar a mesma música de há 30 ou mais anos. O Paulo Furtado é o exemplo total: uma espécie de museu performativo do rock. Todos os gestos e atitudes que foram ficando na história do rock ele repete. Os tédio e os seus subprodutos não são mais do que uma espécie de versão rockabilly da cidade museu.

    • 4 Luis
      11 de Outubro de 2011 às 3:11 am

      Bem… Após reflectir sobre o que foi dito, admito que discordo do que foi comentado anteriormente. É simplesmente a minha opinião e a minha interpretação pessoal dos acontecimentos, mas a verdade é que considero que Coimbra, com a sua modesta dimensão, agrupa pessoas bastante criativas, dinâmicas e inovadoras. Obviamente que não se pode fazer historia e revolucionar uma época todos os dias. Mas vejamos que nos últimos 50 anos Coimbra mudou muito e foi palco de acontecimentos que auto-promoveram essa mudança. Sugiro começar por relembrar as manifestações estudantis dos anos 60, que estimularam a revolução de 74. As próprias repúblicas eram nessa época (desconheço a atualidade) locais de movimentos alternativos a vários níveis. O próprio Zeca Afonso, figura da canção de intervenção surgiu em Coimbra. Mais tarde, mudaram os tempos e quando Portugal se mantinha fiel a uma cultura musical surgiram os Tédio, apresentando algo inovador em Portugal sendo ao mesmo tempo original, de tal modo que mesmo no estrangeiro (USA) foram reconhecidos.
      Hoje vê-se efectivamente influências deles em muitas bandas, Obviamente que as coisas não surgem do vazio e existem sempre influencias do que foi feito anteriormente. No caso de Legendary Tiger Man vêm-se claramente influências por um estilo assumido, mas ao mesmo tempo uma evolução. As orquestras clássicas continuam a tocar Mozart e mantêm o mesmo tipo de registo mesmo nas músicas compostas na atualidade, mas por isso mesmo é chamada “Música Clássica” e ainda é assim apreciada… por quem a aprecia! A arte é assim mesmo, tem valor para quem a aprecia. E nem sempre tem de ser criada um novo conceito completamente inovador para fazer algo criativo.
      Mas a verdade é que em Coimbra ocorrem em vários locais movimentos alternativos que permitem apresentar outras faces da arte em geral. Existe espaço para a inovação e efectivamente há inovação. Obviamente a uma pequena escala e de com produtos tão alternativos que não têm mercado nem são divulgados fora do meio onde persistem. Talvez nestes casos cada um deva procurar e investigar sobre o que existe consoante as suas tendências.
      Cumprimentos

      • 11 de Outubro de 2011 às 2:27 pm

        Olá Luís, tens toda a razão mas presumo que tenhas menos de 22 anos. se tivesses 32 percebias melhor a perspectiva. é uma estupidez pôr as coisas assim mas isto refere-se a uma época muito particular da vida de Coimbra. Ocorrem coisas agora, mas antes nem por isso.

        Desculpa puxar de galões de senioridade. obrigado pelo comentário.


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