A convergência foi o principal tema do I Congresso Internacional de Ciberjornalismo, a que assisti nos dias 11 e 12 de Dezembro, no Porto. Como o programa foi muito extenso (no total foram quase 20 horas de congresso em dois dias) não vou ser exaustivo no que foi discutido, mas podem ter mais pormenores no blog do congresso, na cobertura via Twitter e no JPN. As fotos que tirei estão aqui.
Dia 1
O primeiro destaque vai para Ramon Salaverria, que foi apresentar a sua análise de casos paradigmáticos de convergência em quatro grupos de comunicação, tema que é abordado no seu livro que está para ser lançado , intitulado “Integrated Journalism”.
Salaverria defendeu que a convergência é um processo dinâmico, e que não é o mesmo que integração, que acaba por ser um resultado eventual dessa convergência. Todo esse processo implica várias esferas, desde a empresarial à tecnológica, como da profissional à dos conteúdos. O que fica é a marca e o conteúdo onde antes se dava o valor ao meio, apesar do “meio” ser agora um dos principais desafios para os produtores de conteúdos . O investigador da Universidade de Navarra disse ainda que “a convergência não é a panaceia para todos os males”.
O primeiro dos cinco painéis dedicados a apresentações mais curtas – e que no geral precisavam de mais tempo para serem melhor degustadas – foi dedicado aos desafios da convergência. Houve as perspectivas práticas de Sérgio Gomes do Público.pt e de Nuno Vargas sobre a remodelação do JN Online, dois trabalhos sobre comunicação individual e a participação dos utilizadores nos media digitais, de Catarina Rodrigues e Luís Miguel Loureiro (que me parece estar a fazer uma tese muito interessante). Pelo meio foi apresentado o Verbatim, uma ferramenta de recolha de citações, com utilidade óbvia para investigação, criada por Luís Sarmento (NIAD&R) e Sérgio Nunes (FEUP) no contexto de uma colaboração entre a Universidade do Porto e o SAPO Labs.
A sessão da manhã foi encerrada com a apresentação dos resultados da tese de Hélder Bastos, que se propôs a definir as características dos ciberjornalistas portugueses, e, por consequência, o estado do jornalismo online em Portugal (a ler, a entrevista que me concedeu em Fevereiro). Das diversas conclusões que se tiram do trabalho de Hélder Bastos, o que se nota é uma minoria a carregar o futuro às costas, mas como ele disse “quando não há dinheiro, não há milagres.”
Beth Saad, da Universidade de S.Paulo, fez uma apresentação muito completa sobre o ciberjornalismo e que impacto têm as ferramentas de média social, que é o mesmo que dizer, como jornalistas e utilizadores se relacionam no jornalismo actual. Ambos os papéis estão em evolução, e a entrar em territórios que eram exclusivos, o que leva à perca de controlo sobre os conteúdos por parte dos media. As mudanças começam nos utilizadores mas prosseguem nos jornalistas e nas empresas. Isto faz parte, segundo Saad, de um processo colectivo de mudança cultural. Beth Saad colabora no blog Intermezzo.
Seguiram-se os painéis 2 e 3, que tiveram 13 apresentações em 3 horas. Ora como a opção foi apresentar tudo na mesma sala em vez de ter sessões paralelas, é difícil poder falar em pormenor de qualquer uma delas, apesar de ir fazer um esforço em tentar obter os papers e slideshows das que mais me interessaram. Nesse aspecto praticamente todos os participantes se mostraram disponíveis para partilharem esses ficheiros, o que permitirá uma melhor apreciação do seu trabalho. Dez minutos era manifestamente pouco, e nada se faz bem a correr, a não ser correr mesmo.
A piéce de resistance do dia acabou por ser a intervenção de João Canavilhas, da Universidade da Beira Interior. Eu, do que conheço do trabalho de Canavilhas, não me senti minimamente defraudado com a sua conferência. É um investigador brilhante e pouco ortodoxo, e conseguiu cativar uma audiência cansada, com os seus “5 W & 1 H para o jornalismo na web”. Podem ler um resumo da sua intervenção aqui, mas vejam também o vídeo abaixo.
Canavilhas não vai em modas e disse que o jornalismo do cidadão não existia, comparando o Guggenheim do arquitecto Frank Gehry e um bairro de lata: “Isto é arquitectura do cidadão?” O efeito cómico foi excelente, e foi eficaz na definição da perspectiva de Canavilhas, que fundamentou claramente porque é que acha que o jornalismo do cidadão não existe. Eu discordo, claro. Amigos na mesma. Essa vai ser aliás uma das questões que lhe vou ter que fazer quando o entrevistar (estou para o fazer desde a Páscoa…). Foi-lhe atribuída uma citação que acho que está incorrecta, ou pelo menos, descontextualizada. No JPN é citado “os jovens lêem cada vez menos”, mas creio que ele estava a referir-se a formatos: “menos em papel”. Nunca se consumiu tanta informação escrita como hoje. Agora se ele se estava a referir a ler com olhos de gente isso é outra história.
No final do dia – que já ia longo – Fernando Zamith lançou o seu livro “Ciberjornalismo – As potencialidades da Internet nos sites noticiosos portugueses”, uma obra que analisa a real utilização dos meios digitais em Portugal pelos media, e que é a materialização da sua investigação nos últimos anos.
Dia 2
O segundo dia começou com a presença virtual de Hamlet Au, o repórter do Second Life. Na realidade, Hamlet Au é o avatar de Wagner James Au, que nos explicou através da moderação de Paulo Frias, da Universidade do Porto, como faz jornalismo no mundo virtual do Second Life, quais são as suas dificuldades e porque é que é um meio tão interessante para desenvolver a sua actividade.
A seguir, mais dois painéis a correr, um dedicado a Jornalismo e Bloguismo, o segundo a Inovação e empreendedorismo. Deste destaco a apresentação do projecto ogolo.pt, um site desportivo exclusivamente online desenvolvido por três alunos da UP, e que será lançado logo no dia 1 de Janeiro de 2009. A ter em atenção.
Para acabar a manhã em beleza Mário Tascón (Dixiered, 233grados.com – que é o mesmo que dizer Fahrenheit 451) fez uma apresentação excelente sobre o futuro dos e os jornais do futuro, cujo resumo pode ser lido aqui. Entre referências à campanha de Barack Obama usando ferramentas de social media e que futuro irá dar à comunidade que criou online (que eu anotei no meu caderno como a era 2.0bama), Tascón levantou um pouco o véu sobre o seu novo projecto, o Proyecto i, ainda no segredo dos deuses.
Depois de almoço Fernando Zamith apresentou com Catarina Osório os resultados do seu estudo sobre o uso de ferramentas web pelos sites noticiosos portugueses. Parece que o panorama geral melhorou, mas ainda há muito a fazer. Os parâmetros eram semelhantes ao Índice de Interactividade que fiz para o OJB.
A seguir foi a entrega dos Primeiros Prémios de Ciberjornalismo. Tinha duas amigas nomeadas, e uma ganhou, foi a Sandra Oliveira do Público, na categoria de Breaking News com o assalto ao BES. As imagens foram usadas por muita gente que não atribuiu o crédito ao Público.pt quando passaram as imagens. É um precedente grave e uma enorme falta de respeito. Mas cada um monta os telhados de vidro que quiser. Os meus parabéns para a Sandra. Aqui ficam os vencedores:
- Excelência Geral em Ciberjornalismo
Publico.pt - Breaking News
Assalto ao BES (Publico.pt) - Reportagem Multimédia
A morte lenta do gelo eterno (JN) - Videojornalismo
Caminho onde o morto matou o vivo (PortugalDiário) - Infografia Digital
Assalto ao BES (Sol) - Ciberjornalismo Académico
Prostituição no Porto (JPN)
Mark Deuze ligou-se em directo via Skype para falar de “Jornalismo e Novos Média: Talento, não Tecnologia” (leiam o resumo), e que partilhou uma história fantástica sobre o Público Online,que se alguma vez puderem, peçam para vos contar. A frase dele que mais ressoou foi: “qualquer jornalista feliz e apaixonado pelo seu trabalho vai produzir notícias melhores e mais relevantes para a comunidade” e aconselha sempre os seus alunos a “não tirarem cursos que os façam empregados de uma organização noticiosa, mas sim que os façam criar o seu próprio projecto”.
Para terminar em beleza, o congresso terminou com a apresentação de Rosental Alves, o professor da Universidade do Texas-Austin, que deu o workshop de Jornalismo Digital a que assisti em Junho, no Summer Institute. Numa conversa prévia o professor Rosental já me tinha avisado que eu conhecia a matéria, mas aprende-se sempre algo de novo. Para além do conteúdo científico, a forma como a conferência é apresentada – de forma descontraída e bem disposta, cheia de provocações especialmente dirigidas a João Canavilhas por causa do jornalismo do cidadão – fez com que fosse o melhor final para um Congresso de óptima qualidade.
No encerramento, Fernando Zamith, como organizador , não se quis comprometer com a realização de um segundo congresso para o ano, mas existe vontade e também necessidade de se realizarem mais eventos deste tipo. Eu por mim volto lá.
Notas finais
O que posso concluir destes dias na bela cidade do Porto é que há sinais de mudança no panorama jornalístico português, uma mudança tímida e insegura, mas que está a ser feita por professores, alguns profissionais, e muito poucas empresas. Pode-se dizer que há realmente quem faça um verdadeiro jornalismo online e de convergência em Portugal? Contam-se pelos dedos de uma mão. Há muito para fazer, mas é preciso que os directores e os proprietários conheçam estas novas realidades. E eu não vi ninguém lá que não estivesse de certa forma já ligado ao ciberjornalismo.
Foi também uma oportunidade de (re)encontrar algumas pessoas, como o Hélder Bastos e o professor Rosental Alves, mas o tempo foi curto. Mesmo assim houve tempo para ouvir alguns conselhos, que eu agradeço. No fundo não me deixei de sentir um outsider devido ao meu percurso profissional acidentado e ao facto de não ser um académico, mas não quero dizer que isso é mau. Discordei com muita coisa que foi dita e vi apresentações que para mim já não se aplicam à realidade que está mesmo aí. Estarei errado ou apenas mais à frente? Não me interessa, apenas estou.
Tenho que agradecer aos meus amigos que me receberam em casa deles para comer, beber e dormir, e à Vanessa Quitério, que foi de Coimbra para assistir ao congresso no Porto, e que foi a minha companhia por lá nesses dois dias. Graças a ela e ao seu portátil pude twittar parte do congresso (obrigado Vanessa!). É um exemplo que fazer amigos nas redes sociais pode ser positivo. Ainda fomos ao Nortweeters mas foi mesmo assim de repente. Para a próxima vez tem de ser com mais calma…
Fico à espera do próximo.
Comentários Recentes