Existem assuntos que escapam à maioria das pessoas, por mais ligados que estejam à nossa vida quotidiana.Grande exemplo são as condições em que os nossos alimentos e a forma como são criados afectam a nossa qualidade de vida, já que as discussões à volta do assunto descambam em trocas de impropérios científicos e nunca finais, o que só aumentam a confusão na cabeça do consumidor. Por isso, é bom ver que há gente interessada em discutir o problema e alertar o cidadão comum para os riscos que certas práticas de produção alimentar trazem à sua saúde. Até aqui, tudo bem.
Como conheço muita gente que gosta de exercer activamente a sua cidadania e de se encontrar para partilhar as suas ideias em prol de um mundo melhor, volta e meia lá recebo convites para encontros, manifestações, actividades públicas, debates, o que me deixa satisfeito por ver que muitos jovens não estão alheados da discussão política e intelectual, como se costuma acreditar. Só que, depois, vêm os baldes de água fria da realidade.
O cartaz do Ecotopia refere que seria um encontro dedicado este ano às Migrações, e que estaria “aberto a todas as pessoas interessadas em questões ambientais e de justiça social”, que podiam participar em debates teatro , campanhas, e, talvez a única coisa que sobrou para quem não participou, acção (logo a seguir na lista do cartaz “comida-sorrisos-natureza…”). Foi neste mail que soube da acção:
DIA DE ACÇÃO CONTRA OS TRANSGÉNICOS
17 Agosto
NÃO À COEXISTÊNCIA, SIM À RESISTÊNCIA!
17 de Agosto tem lugar um dia de acção contra os transgénicos, no âmbito do Ecotopia, um dos maiores encontros de activismo pelo ambiente da Europa. Este ano, o Ecotopia decorre em Portugal, em Aljezur, entre 4 e 19 de Agosto e que reunirá centenas de activistas de dezenas de países (ver http://www.ecotopiagathering.org).
Este dia de acção contará com acções descentralizadas, directas e criativas, pelo que desde já são convidad@s a pensar a vossa própria acção ou a juntar-se com outr@s activistas durante o Ecotopia para formar grupos de afinidade. No dia anterior, 16 de Agosto terão lugar workshops de formação sobre o tema dos transgénicos e de preparação para as acções.
O município de Aljezur declarou-se Zona Livre de Transgénicos e pertence à região do Algarve, a primeira região do país a declarar-se Zona Livre de Transgénicos. Apesar disso, este ano há já cultivos de transgénicos no Algarve, no concelho de Silves.
Alguns dados relativamente à situação dos transgénicos em Portugal demonstram como os transgénicos são impostos aos consumidores e agricultores pelas pressões do lobby da agrobiotecnologia junto do governo português e da Comissão Europeia:
- a Comissão Europeia aprovou recentemente a presença de transgénicos (até 0,9%) nos produtos de agricultura biológica. Esta decisão, tomada pelos Ministros da Agricultura dos vários países, foi contra o voto do próprio Parlamento Europeu e o interesse dos cidadãos que pretendem consumir alimentos com menores riscos para o ambiente e para a saúde!
- os animais alimentados com transgénicos não são rotulados e 1 milhão de europeus assinaram uma petição a solicitar esta rotulagem. Contudo, a Agência de Segurança Alimentar Europeia (EFSA), concluiu que não aparecem pedaços de ADN recombinante ou proteínas derivadas das plantas GM nos tecidos dos animais criados com ração com OGM, logo considera que o pedido de 1 milhão de europeus para que os produtos de origem animal alimentados com OGM sejam rotulados é injustificado!
- o cultivo de transgénicos em Portugal foi legalizado em 2005, através do Decreto-Lei 160/2005, apelidado da coexistência (entre cultivos transgénicos e tradicionais ou biológicos). Esta lei estabelece “distâncias de segurança” entre os cultivos transgénicos e não transgénicos de 200 metros ou 24 linhas de bordadura de milho (aproximadamente 18 metros!). No entanto, vários estudos científicos (incluindo da antiga Direcção-Geral da Protecção das Culturas, sempre favorável aos transgénicos) demonstram que a polinização cruzada pode ocorrer a distâncias de centenas de metros ou mesmo de vários km. O termo coexistência, aplicado aos cultivos transgénicos, é um paradoxo, pois a coexistência é impossível!
- a área cultivada (legalmente) com milho transgénico em Portugal quase que quadruplicou este ano, para um total de 4263,3 ha distribuídos por 163 propriedades (http://stopogm.net/?q=node/236). Vários destes cultivos situam-se em municípios que se declararam Zonas Livres de Transgénicos!
- a Plataforma Transgénicos Fora apresentou uma queixa contra o Ministério da Agricultura, por este recusar-se a divulgar as localizações dos cultivos transgénicos, violando assim a própria legislação nacional!
- a tão implacável Agência de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) afirmou recentemente, num congresso organizado em Faro pela Almargem e Ciência Viva, que não faz quaisquer inspecções aos produtos transgénicos ou à sua rotulagem em Portugal, pela simples razão de que a EFSA considera estes produtos seguros e, como tal, não acham que valha a pena gastar recursos a controlá-los!
Mais razões para nos opormos aos transgénicos podem ser encontradas em http://stopogm.net ou http://gaia.org.pt/?q=taxonomy/term/6.
Vamos demonstrar a vontade popular e a rejeição generalizada dos transgénicos, contribuindo para um Algarve e um Portugal livre de transgénicos, mobilizando-nos para este dia de acção!
Se não podes deslocar-te a Aljezur, podes organizar actividades noutro ponto do país e enviar informações para ogm@gaia.org.pt
NÃO À COEXISTÊNCIA, SIM À RESISTÊNCIA!
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GAIA – Grupo de Acção e Intervenção Ambiental
Faculdade de Ciências e Tecnologia e-mail: gaia@gaia.org.pt
2829-516 Caparica http://gaia.org.pt
Portugal tel./fax: (+351) 212949650
NIPC – 505044536
A minha parte favorita é: ” Este dia de acção contará com acções descentralizadas, directas e criativas, pelo que desde já são convidad@s a pensar a vossa própria acção ou a juntar-se com outr@s activistas durante o Ecotopia para formar grupos de afinidade. No dia anterior, 16 de Agosto terão lugar workshops de formação sobre o tema dos transgénicos e de preparação para as acções.“
Descentralizadas, directas e criativas…o bold é do original.Depois foi o que se viu, 50 pessoas a destruir um hectare de milho num dos piores actos de “esclarecimento” e de relações públicas por parte do movimento Verde Eufémia, que se tornou em meia dúzia de minutos aos olhos da opinião pública de um grupo desconhecido a um monte de vândalos. Ouvi dizer de alguns amigos ainda mais cínicos do que eu que, se a GNR tivesse levado os kits de despiste de drogas e realizado uma rusga ao acampamento teriam feito melhor figura em vez de correr pelos campos atrás de jovens que acreditam que é na destruição simbólica de um campo de milho que vamos salvar o cidadão comum das garras transgénicas da indústria alimentar. O próprio Ministro da Administração Interna disse à SIC que classificava esta acção não como eco-terrorismo per se,mas como “eco-terrorismo soft”, se lhe perdoássemos o anglicismo.Ou seja, eco-vandalismo, em bom português. O movimento justifica-se, acreditando na sua razão, escudando-se no “direito à resistência, segundo o artigo 21º da Constituição da República Portuguesa”. Eu não vejo uma maçaroca de milho atacar ninguém há anos (desculpem a piada, mas não resisto). Agora a sério, o Artigo 21 diz :
Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública.
Não percebo o contexto desta acção dentro destes termos, mas é para isso que servem os advogados e os tribunais.
Os media também não ajudaram muito a esclarecer ninguém, já que tomaram uma posição definida em relação ao acontecimento, promovendo a vitimização do dono do terreno. Dos 50 hectares totais foi só 1 que foi destruído -se bem que isso continua a ser destruição e a penalização, se a houver, deverá ser igual tivessem sido 1 ou 100 hectares- e hoje soube-se que o agricultor de 56 anos teve um AVC após o incidente (fonte SIC). Talvez seria melhor promover uma sessão pública de esclarecimento, e ajudar os agricultores a adoptar a agricultura biológica com a entrega de milho destinado ao efeito, e pôr a trabalhar o mesmo número de pessoas que destruíram o campo, para poderem saber que o que se cria com as nossas mãos custa muito mais quando o vemos a ser destruído.E quando muito alguém adormecia a meio, em vez de ir parar ao hospital.
O meu ponto de vista pessoal é o de que se devem apoiar movimentos juvenis, que , independentemente das influências partidárias, procuram expor e ajudar a resolver o que de errado está na nossa sociedade. Mas o Eufémia perdeu pontos com esta acção. E só agora é que percebo o significado desta imagem que acompanhava o email transcrito acima:

Não será necessário dizer mais nada, pois não? De qualquer forma, os links que vêm na mensagem trazem alguma informação sobre a questão dos transgénicos, ou, pelo menos, lançam mais luz ou levantam melhores questões, do que as levantadas pela pela acção desses verdadeiros cereal killers.
A ler também, o texto de Tiago Barbosa Ribeiro no seu blog Kontratempos, sobre Catarina Eufémia.
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