Posts Tagged ‘25 de abril

27
Abr
09

A cadeira em chamas

Esta é uma daquelas coisas que tenho que fazer de vez em quando, para experimentar e manter a prática. É uma pequena – mais ou menos – reportagem sobre um evento que decorreu no dia 24 de Abril, que filmei com um Samsung Omnia, a princípio sem grandes procupações jornalísticas, mas depois o bicho tomou conta da ocorrência e entrei em piloto automático. Podia ter saído mais bem feito, com mais alguns cuidados, mas a ideia está lá. Fotos, texto e vídeo da minha autoria. Agradeço comentários, críticas e sugestões.

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burningchairA cadeira em chamas

24

Está uma noite fria, mas em S.João do Vale, um pequeno largo no coração da parte velha da Figueira da Foz, começa-se a sentir uma agitação pouco normal para aquela hora.

Há música que se espalha pelas ruas estreitas, mas não é a mesma que se costuma ouvir durante as festas populares que se ali fazem todos os anos. São canções de um tempo diferente, que falam de liberdade nas entrelinhas. No meio do largo, os membros de uma associação cultural local colocaram uma mesa com um projector e um pequeno sistema de som, e vão olhando para o relógio. O evento começa às 11 da noite e tudo tem que estar preparado até lá.

Uma pequena multidão vai-se juntando, muitos jovens, fumam-se cigarros para se enfrentar a espera e o frio. Das janelas, os moradores vão espreitando, a tentar perceber o que se passa. Ouve-se o barulho de estores, uma ou outra cara atrás de uma cortina, mas ninguém sai de suas casas. Preferem alhear-se do que se passa à sua porta, alguns sabem do que se trata, outros talvez não, e de certeza que há quem se incomode com o barulho. Mas para quem está cá em baixo isso não importa, há pormenores a resolver. No chão está um boneco, no fundo são roupas velhas recheadas com palha, com um chapéu a segurar o conjunto. De pé, no meio de um campo, seria um espantalho. Ali é um símbolo. A fazer de cara, está uma fotocópia da imagem do homem que governou Portugal durante 50 anos.

É preciso que chegue uma cadeira para sentar a personagem. Quando a trazem, fazem-se piadas e avisos para que não caia dela abaixo antes de tempo. Mas o boneco segura-se bem, e torna-se o centro das atenções. A hora marcada aproxima-se, uma hora que é de há 35 anos, a hora do fim, que é também a de antes de tudo começar.

Há mais pessoas, algumas conhecidas da vida política local, nenhum representante da autarquia. É um acontecimento cívico, uma celebração, mas parece não atrair atenção suficiente para se capitalizar uma foto no jornal a poucos meses das eleições. Que, por acaso, acontecem por causa do que se está a celebrar.

Chegou o momento. Pedro Saboga, um dos membros da organização, explica aos presentes a razão de estarem ali:

“Vamos fazer a queima simbólica do fascismo. Convido toda a gente a participar. Quem quiser, tenho aqui muitos fósforos para ajudarmos todos a queimar o fascismo.”

O Salazar de palha permanece imóvel e sereno a estas palavras. Nem uma ponta de perturbação, mesmo estando regado com combustível, nem uma sombra de preocupação quando se começam a distribuir e a acender fósforos em seu redor. Irá cumprir o seu papel de efígie, que é o de personificar algo e cumprir fisicamente o acto simbólico a que são sujeitadas.

O recheio do boneco arde rápido, mas as roupas custam a pegar fogo, o que lhe mantém a compostura. Em volta, as pessoas observam as chamas que crescem rapidamente, enquanto que em fundo se ouve  “E Depois do Adeus”. Numa das paredes do largo são projectadas imagens do próprio dia da Revolução, no preto e branco que a geração de muitos dos presentes nunca chegou a conhecer. Os mais velhos mantém o silêncio enquanto o fogo vai destruindo o que sobra do boneco, que se desfaz em poucos minutos, num curto mas intenso exorcismo. Apenas uma pequena chama se mantém no assento da cadeira, que, apesar da violência das chamas, não se desfez. E provavelmente, é isso que acontece sempre em todas as revoluções.

backmovieAcabada a projecção da memória desse dia em Abril, desmonta-se rapidamente todo o equipamento. Limpam-se as cinzas, e convida-se toda a gente a dirigir-se duas ruas ao lado, para assistirem na sede da associação a um pequeno documentário de produção própria.

O largo esvazia-se, e é entregue ao seu silêncio habitual. As pessoas por detrás das janelas já podem dormir descansadas.

25

Já passa da meia noite quando começa o filme. Na sala cabem todos à justa, mas cabem. O documentário é o cruzamento de entrevistas a alunos de liceu sobre o que sabem da Revolução do Cravos, sobre Salazar, a PIDE e a Guerra Colonial, com os relatos de quem viveu tudo isso.

O que se ouve dizer mais da boca dos miúdos é”não sei”, “dei isso nas aulas, mas não me lembro”, intercaladas por algumas confusões históricas. Finalmente alguém consegue dar uma explicação com pés e cabeça sobre essa altura da vida portuguesa, mas o sotaque é do Nordeste do Brasil…

No ecrã surge um miúdo de cara redonda, bem arrumado dentro de uma camisola azul clara e que diz coisas como: “Há demasiada liberdade, fumam, fazem o que querem”, e “eu mandava pôr uma regra em que todos os alunos ou se portavam bem ou iam para uma escola que os obrigasse a portarem-se bem, a dar estaladas e, assim (levanta a mão), a bater”.Não deve ter mais de 12 anos,e fala à sua sua escala – a vida escolar –  e só se pode imaginar onde é que ele foi buscar essas ideias. Mas do que ele fala é de impôr uma ordem ao mundo que conhece.

Muda-se o cenário para uma feira, onde um grupo de ex-combatentes conta o que viveu na guerra em África. É algo que por mais que nos expliquem, só quem lá esteve é que pode compreender por inteiro o horror que foi. Quando se fala do estado actual das coisas, o tom é de desilusão. “Se calhar é preciso fazer outro 25 de Abril”, mas não têm bem a certeza de quem o poderia fazer. “Temos o que merecemos”. Mas percebe-se que o que eles querem dizer realmente é que, depois de tudo, merecíamos mais.

Os miúdos voltam e tentam explicar o que é a Liberdade. “É poder dizer aquilo que se quer.” Por isso é que qualquer artigo que se escreva sobre o 25 de Abril será tendencioso, apenas pelo simples facto de poder ser escrito. Mas nota-se o vazio nas declarações, é como tentar definir a sede se nunca nos faltou a água, e nem se pode dizer que tenham culpa, a torneira sempre esteve aberta para eles.

Outro entrevistado, conta como era a actividade de resistência ao regime na Figueira da Foz, no envolvimento dos jovens nas escolas, e como no dia da Revolução a festa foi feita principalmente por eles, como tinham noção que aquele dia era especialmente seu. E diz ainda que os jovens de hoje em breve se irão chegar à frente e operar uma tão necessária mudança. Mas no enquadramento dado pelo documentário, as dúvidas são grandes.

O filme acaba, e fica algum desconforto, especialmente entre os que viveram esses dias. A falta de conhecimentos das novas gerações sobre este passado já não tão recente é confrangedora. Eles sabem que, sem a memória, os erros repetem-se, e nenhum deles quer voltar a viver no medo de uma ditadura, por mais diferente que ela seja da que conheceram.

À medida que as pessoas vão saindo e comentando o que viram, percebe-se que ainda muito ficou por fazer depois da Revolução. 35 anos depois, parece que houve mais retrocessos que avanços, mas estão satisfeitas pelo facto de haver ainda quem se lembre e se preocupe em fazer lembrar os outros. Pouco a pouco, voltam para casa, em direcção ao feriado.

No final de tudo, não sei o que é que foi feito da cadeira, nem em que estado realmente ficou depois do fogo.

backchair

Nota: o Tubo d’Ensaio disponibiliza o filme para projecções noutros locais. É só entrar em contacto com eles.

Continue a ler ‘A cadeira em chamas’

23
Abr
09

Magazine Censored | Visão Censurada

Vodpod videos no longer available.

This week’s edition of the portuguese magazine Visão has been censored. Don’t worry, there’s nothing wrong with this, they are just celebrating the 35th anniversary of the Carnation Revolution.

They picked two of their most experienced editors, that worked during the dictatorship, and had them put on the shoes of their worst enemies back then: the blue penciled censors, that cut everything that could harm the image of the regime and their personalities. So that’s why the magazine is all crossed and scratched out.

The times have changed, and censorship is a foreign notion for many young journalists, though there is a new kind, the economical, labouring censorship, that constrains journalists’ work with the fear of getting fired, especially in dire times like these. Censorship is no longer exclusive to a repressive state, but also a weapon for corporate suited malefactors that want their agenda passed on. And many times, they live within the news companies.

Throughout the world, journalism is often the act of publishing the truth against the  will of the darkest powers. Sometimes, the ultimate price is not a public lie, but people’s lives. And many forget that there is a price for the truth, wherever you may be.

I’m happy that someone decided to remember something i never knew, in that way. Maybe that will help people open their eyes to the flooding of contents that aren’t news, but propaganda, they have to put up with.

A edição desta semana da Visão foi censurada. Não se preocupem, não há problema nenhum, é apenas forma que eles encontraram para celebrar os 35 anos da Revolução dos Cravos.

Eles escolheram dois dos seu redactores mais experientes, que trabalharam durante a ditadura, e puseram-nos no lugar dos seus piores inimigos na altura: os censores de lápis azul, que cortavam tudo que pudesse prejudicar o regime ou as suas personalidades. Por isso é que a revista está toda riscada e rasurada.

Os tempos mudaram e a censura é um conceito estranho para muitos jovens jornalistas, apesar de haver um novo tipo, a censura económica, laboral, que limita o trabalho dos jornalistas com a ameaça de despedimento, especialmente em tempos tão complicados como estes. A censura não é mais exclusiva de um estado repressivo, mas também uma arma dos malfeitores corporativos de fato e gravata que querem a sua agenda publicada. E muitas vezes vivem dentro dos orgãos de comunicação.

Pelo mundo fora, o jornalismo é muitas vezes o acto de publicar a verdade contra a vontade dos mais negros poderes. Por vezes, o preço máximo não é a publicação de uma mentira, mas a vida de uma pessoa. E muitos esquecem-se que há um preço para a verdade, estejam onde estiverem.

Fico contente por ver que alguém decidiu recordar algo que nunca conheci, pelo menos daquela forma. Talvez isso ajude as pessoas a abrir os olhos para o bombardeamento de conteúdos que não são notícias, mas propaganda, a que são sujeitos.

É em tributo à liberdade de expressão que este número “censurado” faz sentido. Com ele, pretendemos lembrar, de uma forma muito imediata, tudo o que significa não ter direito a informar e ser informado nem liberdade de Imprensa. Como veremos ao longo das páginas deste revista, com a quantidade de texto que aparece com a indicação de censurado, o controlo do pensamento e da expressão das ideias não se limitava (nunca se limita) à política, no seu sentido mais restrito. Pelo contrário, espalhava-se às várias áreas da vida em sociedade, das questões laborais à religião, do ensino à criminalidade, da economia à moral e aos costumes. Aplicava-se a tudo o que, de forma próxima ou longínqua, se afastasse do pensamento oficial ou pudesse, de algum modo, beliscar a imagem que o regime tinha construído para si próprio e impunha a toda a população como verdade indiscutível. E de tal forma que, em algumas ocasiões, se tornava ridícula, como poderemos ver na muito ilustrativa crónica de Francisco Pinto Balsemão que publicamos na pág. 10.

Quando estiver a ler os textos que se seguem lembre-se de uma coisa: neste número, as palavras, as ideias e as realidades que retratam, e que foram objecto desta “censura” simulada, aparecem cortadas ou sublinhadas, e acompanhadas dos carimbos que a Censura usava nas provas dos textos produzidos pelos jornalistas. Há 35 anos, na prática diária do regime, aqueles trechos cortados eram realidades, pura e simplesmente, apagadas, realidades que deixavam de existir por força do lápis azul do censor.

Visão

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24
Abr
08

O Porquê dos Cravos – 25 de Abril Sempre!

April 25th Forever! Post in portuguese about the celebration activities of the 1974 revolution.

Há datas importantes para a nossa História, e esta é a mais importante das mais recentes. O dia de 25 de Abril possui um significado que ultrapassa a alteração de regime político, ou um ponto de viragem no nosso percurso como país. O sentido do 25 de Abril é universal e não pode ser esquecido, nele estão contidos o direito de cidadania, de opinião, de liberdade de expressão. De Liberdade. E por mais anos que passem sobre a data da Revolução, por mais que branqueiem, distorçam, confundam a História do antes e do depois, o mais importante é relembrar a quem o viveu e ensinar a quem não percebe, o porquê dos cravos, o porquê da festa, a razão do dia encerrada nele mesmo, apenas pelo facto de se poder vir para a rua e dizer o que se pensa. Qualquer ditadura começa o seu trabalho na eliminação do pensamento, essa arte perigosa quando exposta de viva voz, em papel, nas paredes, ou em qualquer sítio que toque os outros, qualquer ditadura começa em nós mesmos quando nos esquecemos que a nossa responsabilidade é manter os nossos direitos, a nossa voz.

É para isso que serve este dia, para não nos esquecermos.

No grupo de pessoas responsáveis por perpetuar a memória do 25 de Abril estão os meus cúmplices do Tubo d’Ensaio, que vão promover algumas actividades aqui na Figueira da Foz, a começar já esta noite:

Na Esplanada Silva Guimarães, a partir das 24 horas podem assistir ao Video-Attack, uma videojam ao cuidado de Rui Costa e Sérgio Nogueira, com a participação do DJ Johnny B.

Como não se percebem as consequências sem se conhecer as causas, amanhã podem visitar a partir das 15 horas, no Meeting Point, a belíssima exposição “E antes do 25 de Abril, como era?”.

No mesmo local, a partir das 22 horas, venham assistir à projecção de dois filmes: “Gente do Salto” de José Vieira e “As Portas que Abril Abriu”, poema de Ary dos Santos declamado por João Villaret.

Ainda sem data marcada estão as Tertúlias História Viva, com a participação de quem viveu de perto a ditadura, a repressão, e o dia da revolução.

Tudo grátis, portanto não há desculpas. Participem.

A Liberdade tem uma data, mas não tem preço.

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